Memórias de um intelectual comunista

O que é ser comunista hoje? É acreditar numa ressurreição da União Soviética? É hibernar numa gruta, feito um urso-polar, espe rando que venha uma revolução apocalíptica? É declamar a cada con flito, a cada negociação, a cada surpresa da política, algumas palavras do velho Marx, transformado em criador de uma doutrina que tem respostas para todas as questões, até mesmo aquelas que ainda não apareceram? Ser comunista não é repetir no século XXI propostas programáti cas e juízos políticos formulados por Marx no século XIX. Os comunistas, desde os tempos de Graco Babeuf, já reformula ram várias vezes seus programas políticos. Um programa político que é sistematicamente reapresentado ao longo de mais de duas ou três décadas, sem alterações significativas, torna-se uma monstruosidade. Nunca pretendi me dedicar profissionalmente à política, por isso não estudava as modificações programáticas das organizações comu nistas (nem as da organização a que eu estava ligado, o "Partidão"). Não era sinal de pouco-caso. Era uma conseqüência da minha convicção juvenil de que outros companheiros deveriam se preparar para assumir o poder e governar o país, enquanto eu me concentraria no trabalho intelectual, na análise, na reflexão e na crítica cultural. Assim, me tornei comunista com aproximadamente �5 anos de idade. Uma opção que precisou ser refeita várias vezes ao longo da minha vida. Ao longo de mais de 55 anos de militância. Uma aposta filosófica na capacidade, que os seres humanos ainda mostrarão, de superar o capitalismo, de edificar uma sociedade mais justa, mais livre e mais feliz.